MadBizarrice: tratamentos psiquiátricos bizarros
Um dos maiores pesadelos de uma pessoa é ir parar num hospital psiquiátrico. Graças a séculos de procedimentos bizarros e torturas cruéis, esses lugares se tornaram praticamente um tabu mesmo nos dias de hoje. Diversos filmes já retrataram essas práticas, muitos inclusive do gênero do terror como "A casa da colina" por exemplo. Felizmente, com o avanço da medicina, muitos tratamentos errados foram deixados de lado e novas técnicas são usadas para curar ou melhorar a vida dos pacientes. Em sua maioria são realizadas apenas com medicamentos e muita terapia comportamental. Mas vamos fazer aqui um pequeno panorama de algumas práticas antigas que eram de fato bizarras. Prepare-se, porque você não saberá discernir quem realmente é o louco da história: os pacientes ou os médicos.
Hospitais psiquiátricos são relativamente novos, mas a ideia é antiga. E por ideia entenda: reunir todas as pessoas mentalmente incapazes (ou loucas) num só lugar. Pois bem, antes dessa ideia surgir, os considerados loucos eram exilados das cidades e se tornavam andarilhos ou vivam do lado de fora dos muros das cidades europeias e isso era um fardo tremendo para os governantes. Por vezes eram colocados dentro de um navio sem rumo e podiam passar meses em alto mar até que chegassem a algum porto por descuido ou morrer no meio do oceano. Essas eram práticas comuns na renascença. Foi então que veio a Idade Média e a ideia de confinar todos os excluídos da sociedade num só lugar surgiu. Os loucos, os que possuíam doenças contagiosas, inválidos e mendigos eram jogados em celas e deixados para morrer sob condições sub-humanas. Só no século XVIII (18, criatura) é que os manicômios surgem e somente os loucos vão parar lá dentro. Por incrível que pareça, no começo havia uma certa ética boa para o tratamento dessas pessoas que dizia que os médicos deveriam ser gentis, porém firmes. O médico Phillippe Pinel foi quem implantou tudo isso. Com o passar do tempo, essa ética sumiu e ficou só na teoria. A partir daí, vieram as bizarrices e torturas. Vamos a elas:
Nada que um tranco não resolva - essa sem dúvida é a prática mais famosa e mais temida também. O famoso eletrochoque (ou eletroconvulsoterapia) é um verdadeiro pesadelo e, pasme, é utilizado até hoje! Mas calma, ele agora é feito de uma forma diferente. Segundo as teorias médicas, o choque pode causar uma convulsão "boa". Inicialmente era usado para tratar pacientes esquizofrênicos e eles até melhoravam. Só a partir dos anos 80 é que a anestesia também começou a ser utilizada nesses tratamentos.
Antes disso, o paciente era amarrado numa maca, amordaçado, eram colocados eletrodos em sua cabeça e era iniciada a sessão. O problema é que as máquinas costumavam ser mal reguladas e isso resultava em doses muito altas. Os pacientes se debatiam tanto que chegavam a quebrar ossos e dentes, desmaiar e vomitar. Como estavam sendo eletrocutados, não podiam controlar o vômito ou a mordaça o impedia de vomitar para fora e muitas vezes morriam sufocados quando ele voltava pela garganta e entrava nos pulmões. O paciente não tinha escolha: era obrigado a fazer o tratamento e bastava uma indicação do médico para isto. Entretanto, a situação piorou pra valer quando o eletrochoque foi utilizado como forma de punição em hospitais para pacientes rebeldes e era realizado na frente dos outros, para que servisse de lição. Crianças recebiam choques para ficarem mais quietas, já que acreditava-se que crianças muito ativas eram esquizofrênicas quando na verdade a maioria era hiperativa. Depois dos anos 60, ele passou a ser usado para lavagem cerebral, tortura de presos políticos em muitos países, curar homossexuais e em qualquer um que fosse dito esquizofrênico (muitas vezes o diagnóstico era errado). A partir dos anos 80, o eletrochoque mudou de cara e começou pelos Estados Unidos. Em 2002 foi a vez do Brasil aderir novamente a essa prática, mas com outros olhos. Hoje o procedimento consiste em: paciente em jejum é internado temporariamente no hospital, recebe anestesia geral, depois recebe choque por alguns minutos, volta pra se recuperar da anestesia e finalmente pode ir pra casa. Sem dor, sem trauma, tratamento eficiente, rápido (demora 30min no total, contando com anestesia e choque) e que é comprovadamente eficaz contra a depressão grave (e que não se resolve com medicamento), inclusive de gestantes. Relaxa, o bebê fica bem porque o choque é bem fraco! Esquizofrenia também é tratada ainda com choque, mas só quando é resistente a medicamentos.
Basta apenas uma martelada - outro tratamento bizarro e perigoso era a lobotomia (ou leucotomia). Este consistia em pegar um espeto e um martelo, mirar na região frontal do cérebro e soltar a martelada. Pronto, aquela parte era destruída e o paciente se tornava manso. Mas a que preço? A técnica em si foi criada em meados dos anos 30 pelo médico português Antônio Egas Moniz.
Numa época em que a medicina tinha poucos avanços e os esquizofrênicos e depressivos se tornavam um problema maior a cada dia, uma solução rápida, barata e eficaz era exigida. Inicialmente eram feitos 2 orifícios num paciente anestesiado, um de cada lado do crânio e era injetado álcool para destruir aquela parte. O procedimento não deu certo, principalmente porque acabava atingindo outras partes do cérebro. Então veio o leucótomo, que consistia em uma ferramenta com um arame dentro que era introduzida por um orifício no crânio e que destruía aquela parte específica. Uma década depois, o Dr. Walter Freeman utilizou um picador de gelo modificado (é isso mesmo o que você leu) na cavidade ocular, dando uma martelada nele e girando-o, conseguia destruir a região frontal do cérebro. Depois fazia o mesmo do outro lado. Era muito mais barato, rápido (levava 10 minutos), não necessitava de cirurgião pra fazê-la (tinha enfermeiro que fazia) e não precisava de anestesia (às vezes era usado eletrochoque pra deixar o paciente inconsciente). O tal picador de gelo virou uma ferramenta cirúrgica chamada orbitoclast. Para entender melhor: essa região do cérebro é responsável pelas funções executivas (tomada de decisões importantes e planejamento, raciocínio e
compreensão, expressão de personalidade, criatividade e comportamento de
uma forma socialmente aceitável). Quando ela é destruída, o paciente para de ter emoções, mas não perde o resto das funções e evidentemente não morre rapidamente também. Com o passar do tempo, a lobotomia virou solução pra tudo: hiperatividade e/ou rebeldia de crianças/adolescentes, depressão, esquizofrenia, epilepsia, etc. Mas nem tudo eram flores e logo os efeitos colaterais se tornaram tão graves que o procedimento teve que ser esquecido e deixado como uma marca negra na história da medicina.
A começar que grande parte dos hospitais dispensava a ética, forçava os pacientes a realizarem até 4 sessões de lobotomia, amarrava-os em camisas de força ou a macas, muitos se machucavam por se debaterem durante o procedimento, alguns morriam na mesa de cirurgia com hemorragia cerebral e a maioria esmagadora que sobrevivia acabava sendo jogada e esquecida em celas acolchoadas nos manicômios. Crianças, adolescentes e jovens adultos foram forçados a fazerem lobotomia para aliviar sintomas de rebeldia e hiperatividade, o que lhes causou um tremendo prejuízo e os tornou socialmente inválidos. Os pacientes ficavam apáticos, lentos, sem iniciativa, não tinham vida, não podiam compreender o mundo, viviam na vergonha e muitos morreram cedo demais. Todos estes efeitos eram cruéis e era irreversível. Além disso, o procedimento se mostrou totalmente ineficaz contra a esquizofrenia, coisa que só se descobriu anos mais tarde e muitos pacientes depois. A esquizofrenia nada tem a ver com a parte emocional do cérebro e sim com a parte racional, então eles não melhoraram.Na década de 50, o procedimento começou a ser substituído por drogas específicas que se mostravam muito mais eficazes e com efeitos colaterais mais amenos e "aceitáveis" do que a lobotomia. A simples ideia de ter um espeto enfiado no seu cérebro não é a coisa mais agradável do mundo, não é mesmo? Por isso ela é proibida atualmente em grande parte dos países, exceto em casos de depressão grave e transtorno obsessivo compulsivo grave e para estes dois só é indicada como último recurso, porém o paciente é quem tem a voz: ele escolhe se quer ou não se submeter a esse tratamento.
Orbitoclast e martelo |
Banhos nada agradáveis - os médicos acreditavam que choques térmicos com hidroterapia poderiam reativar certas regiões do cérebro e assim "curar" os doentes mentais. Os pacientes eram forçados para dentro de uma banheira com uma lona cobrindo por cima e tendo um buraco para a cabeça. Então eles enchiam ela com água fria, depois com água fervente e essa tortura durava horas, dias, semanas! Outros hospitais deixavam os pacientes debaixo de duchas com água super gelada por um bom tempo ou tinham uma estrutura em que o paciente era amarrado e ela podia levantá-lo e abaixá-lo num tanque de água fria. Bom, o caso é que ninguém se curou e a prática foi abandonada, mas por muito tempo serviu de punição e tortura.
Múltiplos chuveiros para maximizar o tratamento. |
Terapia da dor - no início do século XVIII era usada a terapia da dor em pacientes com distúrbios mentais. Valia tudo para machucar o paciente: desde chicotadas até banhos de soda cáustica que faziam bolhas na pele. Os médicos acreditavam que a dor desviaria a mente dos doentes para longe da loucura.
Paciente agredido. É possível ver as marcas e hematomas. |
Aliviando os demônios - se você achou a lobotomia bizarra, prepare-se para conhecer a trepanação. Essa técnica é um dos procedimentos médicos mais antigos conhecidos. Os antigos a praticavam e consistia unicamente em fazer um ou mais buracos no crânio. Alguns crânios foram descobertos até com desenhos em volta, como um sol.
Bem, acredita-se que era realizada para tirar maus espíritos e demônios das cabeças dos loucos e perturbados, mas só a partir da Idade Média é que a taxa de mortalidade por trepanação caiu drasticamente, já que tinham mais cuidado em abrir o crânio e não dilaceravam as meninges (pele que cobre o cérebro) ou o próprio cérebro. Sabe-se que no Egito os pacientes eram dopados com uma bebida alcoólica forte e depois tinham seus crânios abertos com uma ferramenta pontiaguda. A trepanação existe até hoje, mas obviamente nenhum médico a realiza para tirar o demônios da sua cabeça e sim para introduzir algum cateter ou dreno que pode ajudar a diminuir a pressão intracraniana causada por algum hematoma ou hidrocefalia.
Castração - tenho certeza de que você fez uma careta agora. Bom, fará outra careta se souber que homens e TAMBÉM mulheres eram submetidos a esse procedimento. No final dos anos 1800, acreditava-se que a culpa da loucura em mulheres era do clitóris e do útero. Já nos homens, o problema eram os testículos. A solução? Remover tudo e se livrar do problema. Nem preciso dizer que não funcionou, né?
Cobertores com função inversa - cobertores servem para nos aquecer, certo? Não na psiquiatria dos anos 20. Pacientes eram enrolados em cobertores molhados com água fria. Isso abaixava a temperatura corporal a níveis que eles ficavam sonolentos e calmos, praticamente hibernavam. Não era uma cura propriamente dita, mas solucionava o problema da agitação na maioria das vezes. Só que também causava doenças respiratórias como a pneumonia. Ainda é usado para alguns tratamentos atualmente, principalmente pela vantagem de acalmar pacientes.
Afogamento - o paciente é submetido a um afogamento "controlado". Para isto, bastava colocá-lo em um caixão com furos e cheio de água. Ele era forçado a ficar no fundo do caixão e quando as bolhas de ar parassem de subir, eles o tiravam de lá, o ressuscitavam e, segundo a teoria da época, a suspensão das funções vitais resultava em novos pensamentos que estivessem bem longe da loucura. Infelizmente alguns não sobreviveram. Alguns tinham um equipamento parecido com o da hidroterapia, onde os pacientes eram amarrados numa estrutura e abaixados num tanque de água por um bom tempo. Por fim subiam para que pudesse finalmente respirar.
Cena da minissérie Fingersmith |
As drogas do mal - apesar de nos anos 50 começar uma revolução na psiquiatria em que tratamentos passaram a ser feitos exclusivamente com medicamentos, não quer dizer que algumas drogas já não fossem usadas antes. Uma delas era o metrazol, que quando injetado no paciente provocava convulsões tão violentas que ossos e dentes acabavam fraturados. Como foi dito no eletrochoque, as convulsões comprovadamente curavam os pacientes, principalmente com esquizofrenia. Outro tratamento interessante era em que se injetava uma quantidade generosa de insulina, provocando um coma hipoglicêmico "controlado". Cerca de 10 a 120 minutos depois, o paciente era ressuscitado. A hipoglicemia mata células e isso é irreversível. O problema é que os pacientes que conseguiam voltar à vida acabavam voltando com mentalidade de uma criança de 5 anos. Sabe o que é pior? Isso era considerado cura. Por sorte, essa cura era temporária e extremamente perigosa. Caiu em desuso rapidinho.
Paciente em choque insulínico |
Presente de grego - com um surto de sífilis e sabendo que em estágio avançado ela causa demência, um médico chamado Julius Wagner von Jauregg começou a notar que quando os pacientes tinham convulsões ou febre alta, a demência melhorava significativamente. Ele então teve a brilhante ideia de infectar um paciente com sangue de um soldado que tinha malária. E não é que deu certo? Logo o tratamento estava sendo utilizado por todo o mundo e deu até um Nobel pro médico. O único problema é que o paciente se curava da demência, mas ganhava a malária de presente. Nos anos 60 o tratamento foi finalmente abandonado e medicamentos específicos tomaram o seu lugar.
Trocando o óleo - sangria é um procedimento tão antigo quanto a trepanação. Desde o início dos tempos, ela é feita das mais diversas formas possíveis e imagináveis. É um dos poucos procedimentos médicos que sobreviveu e é amplamente utilizada até hoje. Antigamente acreditava-se que se parte do sangue fosse tirada, então o corpo produziria sangue novo e curaria as doenças. Isso tem fundamento e é comprovadamente eficaz, mas não para as doenças mentais.
Seja qual for a doença, alguns desses tratamentos eram cruéis demais e mancharam a história da humanidade. Só gostaria de salientar que pessoas com doenças e problemas mentais são humanos como você e eu, por isso merecem ser respeitados e tratados com dignidade. A medicina já avançou muito e sei que haverá uma luz no final do túnel para estas pessoas. É só uma questão de tempo.
Conheço 2 filmes que mostram bem a realidade desses lugares, o Fingersmith (que na realidade é uma minissérie) e mostra como eram os manicômios na era Vitoriana. O Amor para durar retrata o tratamento dado aos internos de uma instituição psiquiátrica na Espanha em plena ditadura militar. Se você souber de mais algum filme ou minissérie e quiser compartilhar mais informações, deixe-nos um comentário abaixo.
Para ver outras coisas estranhas e incomuns, acesse a nossa coluna de bizarrices!
Bedlam mostra boa parte dessas torturas. Concordo plenamente com o fato de que chega a crueldade, mas o que se pode dizer? A história sempre foi cruel, guerras, massacres. Porque na medicina esperaríamos algo melhor?Enfim, fico feliz com os avanços e com o fato destes métodos não serem usados atualmente, acho que louco mesmo é quem um dia acreditou que tais coisas absurdas poderiam funcionar( claro, estas bizarras que foram comprovadas inúteis.). Devo dizer que quanto as que tinha ao menos um princípio correto, como a do eletrochoque vieram com a questão de avanço, sem querer negar o fato de ser usada para punição. Como saberíamos se um método é realmente eficaz se não fizermos os testes, essa era a questão o ponto que erravam e continuavam a bater na mesma tecla em outros desses métodos.
ResponderExcluirDe fato foram "experiências" importantes para o avanço da tecnologia e medicina, mas ainda sim o preço foi alto demais a se pagar. E a mesma situação se aplica à Unidade 731, por exemplo, da qual já falamos aqui no blog também.
ExcluirMeu filme preferido: Um Estranho No Ninho
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