MadBizarrice Halloween: Seitas Macabras - Villa Baviera
O nazismo é uma mancha negra na história da humanidade, mas
suas consequências jamais se limitaram ao continente europeu. Quando uma
laranja podre rola para outro monte de laranjas, é bem possível que todas se
estraguem também.
A cerca de 350km de Santiago, no Chile, uma colônia alemã de
137km quadrados surge no horizonte. A Sociedade Benfeitora e Educacional
Dignidade, ou apenas Colônia Dignidade, parecia ser uma boa ideia no começo:
centenas de imigrantes alemães juntos numa colônia, trabalhando para seu
próprio sustento e mantendo suas raízes culturais mesmo tão distante da
Alemanha. Foi Paul Schäfer que tornou tudo isto possível. Ou não.
Ele na verdade já era conhecido no velho continente. Sua
especialidade era trabalhar com crianças, mas também tinha servido como médico
na segunda guerra, e agora era um líder religioso independente com muitos
seguidores. O problema é que ele enfrentava sérias acusações de pedofilia por
todo o país e se viu em apuros. Para fugir das autoridades alemãs, Schäfer e
alguns seguidores se mudaram para o Chile em 1961, fundando a nova colônia
alemã.
E o que poderia dar errado em um lugar que teria como líder
um ex-membro das forças armadas nazistas e pedófilo?
Schäfer não poupou esforços para demonstrar que a colônia
era o melhor lugar do mundo. Constantemente chamava a imprensa e mostrava seus
moradores sorridentes, muito satisfeitos com a vida pacífica e digna que
tinham.
Alguns ex-membros fizeram inúmeras denúncias de abusos contra o famoso líder, mas os políticos chilenos pouco se importaram. Já tinham criado laços e negócios com Schäfer, principalmente porque ele estava ajudando no golpe militar de 1973 que deu espaço a um dos ditadores mais cruéis da América do Sul e do mundo, o Pinochet.
Não faltava trabalho na colônia e a agricultura era o principal. |
Alguns ex-membros fizeram inúmeras denúncias de abusos contra o famoso líder, mas os políticos chilenos pouco se importaram. Já tinham criado laços e negócios com Schäfer, principalmente porque ele estava ajudando no golpe militar de 1973 que deu espaço a um dos ditadores mais cruéis da América do Sul e do mundo, o Pinochet.
Mas o pior aconteceu durante a ditadura. Se antes os abusos
eram constantes, agora eles eram essenciais, pois a colônia se tornou um campo
de concentração de inimigos políticos do governo chileno. Detenção, tortura e
execução eram práticas comuns no lugar. Alguns membros do culto chegaram a
participar das sessões de torturas junto com a polícia chilena de repressão, a
DINA (Direção de Inteligência Nacional).
O sistema era autoritário e a grande maioria dos moradores
era proibido de ter contato com o mundo externo, portanto o dinheiro,
passaportes e qualquer documento que permitisse aos membros fugirem, eram
apreendidos. Schäfer impôs uma série de regras ridiculamente rígidas como
proibir contato entre pais e filhos, marido e esposa, sexo era proibido (drogas
eram dadas para que diminuíssem os desejos das pessoas), qualquer meio de
comunicação (TV, telefone) foram banidos, as roupas tinham que ser muito
simples, só era permitido músicas folclóricas alemãs, fins de semana não eram
para descanso e sim para trabalhar mais e segregou a colônia por gênero, ou
seja, mulheres e homens moravam separados.
Quem desobedecesse era punido com espancamentos e torturas ou tratados com psicofármacos e choques. O lema do lugar era “Silêncio é fortaleza”, isso porque Schäfer acreditava piamente que a disciplina era o único caminho possível para o enriquecimento espiritual.
Quem desobedecesse era punido com espancamentos e torturas ou tratados com psicofármacos e choques. O lema do lugar era “Silêncio é fortaleza”, isso porque Schäfer acreditava piamente que a disciplina era o único caminho possível para o enriquecimento espiritual.
O líder ainda tinha interesse em crianças, então era comum
vê-lo entre elas. O problema era que ele também abusava sexualmente e as torturava
com eletrochoque e sedativos. Acredita-se que a colônia adotou ilegalmente
várias dessas crianças vindas de famílias que moravam ao redor da colônia.
É interessante observar que a estrutura da colônia é
realmente surpreendente: tinha escola, padaria, farmácia, açougue, estábulos,
áreas de cultivo, estação de energia, estação de rádio, estação telefônica, departamento jurídico, bunkers,
tuneis, hospital, chegou a ter 2 pistas de pouso, restaurante, laboratórios
científicos e até pequenas fábricas de equipamentos bélicos. Isso sem contar as
moradias que chegaram a abrigar cerca de 300 colonos alemães e 20 crianças
chilenas ”órfãs”. O lugar era rodeado de muros com cercas de arame farpado e
até uma torre de vigia.
Arquivos revelados há pouco tempo mostram que na verdade a
Alemanha estava totalmente ciente do que acontecia na colônia e tentou avisar o
governo chileno do iminente perigo de ter Schäfer solto. Nada foi feito, em
parte porque as autoridades chilenas eram enganadas pelos líderes da colônia
que mostravam apenas a parte harmoniosa e negavam toda e qualquer denúncia. A
embaixada alemã também revela que havia muita lentidão por parte do governo
chileno em encaminhar os processos a respeito das denúncias. Isso tudo
contribuiu para haver uma certa imunidade da colônia diante das autoridades.
O ápice do terror da colônia se deu em 1973, quando a
ditadura de Pinochet estava em pleno funcionamento. Não se sabe ao certo
quantas pessoas desapareceram nessa época, mas sabe-se que a colônia tinha sua
parte nisso. O lugar também funcionava como campo de treinamento de agentes da
DINA. A brutalidade com a qual eram treinados demonstra que as raízes nazistas
estavam totalmente presentes na cultura do local.
Enfim, depois de Pinochet cair, de tantos processos
acumulados e uma enorme pressão internacional, o governo chileno finalmente se
mexeu. O novo presidente chileno Patricio Aylwin criou a Comissão da Verdade.
Os dias de Schäfer estavam contados.
Somente em 2005 as autoridades chilenas descobriram um
enorme estoque bélico no local. Metralhadoras, rifles automáticos, lançadores
de foguetes, granadas e muita munição compunham um arsenal de terror. Embora
tudo tivesse sido fabricado 40 anos antes, haviam indícios de que tinham
passado por manutenção recente. Ainda naquele ano, a Interpol descobriu também
que haviam sido feitas experiências biológicas em prisioneiros políticos. Pra
piorar tudo, há indícios de que o médico nazista Josef Mengele (famoso por
fazer experiências em humanos) esteve presente no lugar por um tempo.
Ninguém sabe ao certo de onde vinha o apoio financeiro para
manter toda essa estrutura. Alguns acreditam que as minas de ouro e titânio
forneciam dinheiro o bastante. Outros acreditam que o próprio governo chileno
os manteve por décadas, inclusive passando um pano mesmo depois da ditadura
terminar. Por fim há a teoria de que o governo alemão ocidental teve sim
participação e manteve a colônia. Hoje a Alemanha nega que tenha havido
qualquer cooperação com eles.
Paul Schäfer foi preso na Argentina em março 2005 e
extraditado para o Chile. Foi condenado a 33 anos de prisão por abuso sexual de
menores, tortura, assassinato e porte ilegal de armas. Ele morreu apenas em
2010, enquanto estava na prisão. Em agosto de 2005, as autoridades chilenas
assumiram o controle do local. Muitos membros retornam à Alemanha depois disso.
Nos anos seguintes, vários ex-líderes foram condenados e presos.
Em 1991, a Colônia Dignidade mudou de nome para Vila
Baviera. Ela existe até hoje, mas com novos líderes que são muito mais liberais
e que garantem que tudo por lá está mudado. Inclusive a colônia atualmente é
aberta aos turistas.
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