MadCurioso: guerras químicas
ATENÇÃO: esse post contém imagens que podem ser fortes a leitores sensíveis. Recomendamos cautela.
Imagine ser um soldado e estar em uma guerra terrível, com tiros passando de raspão pela sua cara e vendo os seus companheiros serem atingidos o tempo todo. Você corre de uma trincheira a outra, atira a esmo porque a confusão é tamanha que você sabe que as chances de acertar algo é quase impossível. Como se não bastasse estar nessa situação, de repente uma fumaça amarela começa a invadir o campo de guerra. É então que você avista soldados inimigos com máscaras de gás andando na sua direção e na mão deles há um dispositivo que está soltando a tal fumaça amarela. Os seus companheiros ao redor começam a agonizar com o gás e você só tem uma escolha: correr o mais longe possível antes que respire o mortal gás. Essa foi uma cena que muitos soldados, principalmente da primeira guerra mundial, viram no campo de batalha.
As guerras químicas se diferenciam das outras por não matarem por explosão. O problema é que elas são armas de destruição em massa tão poderosas quanto as bombas convencionais.
Passado negro
A ideia de jogar bombas químicas em inimigos não é nada nova. Em 2000 a.C.,
os indianos utilizavam cortinas de fumaça, vapores tóxicos e dispositivos incendiários. Os espartanos tinham o costume de colocar ao redor das
cidades inimigas madeiras empapadas com enxofre e piche, cuja mistura resultava num gás letal. Durante a Guerra dos Bôeres na África do Sul (século XIX - 19, criatura!), os ingleses lançavam ácido pícrico nas tropas inimigas. Depois disso, a coisa começou a ficar muito mais feia.
A mais ninja de todas as armas
Assim como os ninjas, essas armas químicas são silenciosas e fatais. Desde a primeira guerra, tem feito estragos irreversíveis em suas vítimas. Estima-se que pelo menos 800mil pessoas tenham morrido por causa de ataques químicos só na primeira guerra. Três grandes exemplos foram o cloro, o Napalm e o gás de mostarda. Este último era capaz de queimar a pele e lesionar gravemente o pulmão (a coloração dele era amarela). Durante a segunda guerra, pra variar, a coisa foi bem mais bizarra, mas vamos falar disso mais adiante.
Armas de guerra
Meio puto com as tropas inimigas que se enfiavam nas trincheiras e se tornavam difíceis de serem abatidas, o cientista alemão Fritz Haber, o ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1918, decidiu acabar com a farra de todo mundo. Ele pegou o cloro em forma de gás e espalhou por um campo de batalha belga. Ele não só conseguiu forçar os soldados a saírem das trincheiras como também matou mais de 5mil soldados franceses por sufocamento e feriu outros 10mil. Eles literalmente sufocaram até a morte como uma pessoa que morre afogada, tendo suas vias respiratórias ressecadas e edemas nos pulmões, já que o corpo começa a jorrar líquido pros pulmões tentando aliviar a irritação. Mas calma, os alemães ainda não estavam satisfeitos. Uma indústria chamada IG Farben redescobriu o gás mostarda (tinha esse nome porque o cheiro dele lembra o da mostarda). Mais uma vez os soldados inimigos sofreram mortes horríveis, cujo gás de mostarda consegue fazer bolhas e queimaduras na pele, cega temporariamente e resseca as vias respiratórias.
Um soldado que teve a infelicidade de encontrar gás mostarda. |
Agora os franceses estavam putos e não deixariam aquilo ficar quieto. Pegaram cianeto de hidrogênio e ácido prússico e deram o troco nos alemães. A combinação desses dois gases impede que o sangue leve oxigênio às células do corpo do infeliz que os inalou, portanto a morte é certa e por isso são chamados de gases do sangue.
Mas nem tudo é um mar de rosas. Apesar de provocar uma devastação no exército inimigo, os gases também atingiam o próprio exército. Além disso era difícil de ser controlado, tinha pouco alcance e o clima nem sempre ajudava (o vento mudava de direção de repente, temperaturas baixas impediam a transformação de líquido para gás, etc). Buscando uma alternativa mais eficaz, as bombas de fosfogênio surgiram. Era mais potente que o cloro, mais fácil de se manipular e
apenas dependia da artilharia acertar os alvos, ou seja, dava pra se
manter uma boa distância dele. Entretanto, muitos soldados só sentiam os
efeitos dele 48 horas depois da inalação (o que não é muito conveniente
se você quer parar um exército inimigo imediatamente).
Se você ficou com ódio do Haber que começou a briga toda, saiba que quando o tio Adolfinho assumiu a Alemanha, Haber era judeu e fugiu para a Inglaterra. Morreu de infarto fulminante pouco tempo depois. (Só eu achei que isso foi um castigo divino?) Em 1925, porém, a liga das nações (avó da Organização das Nações Unidas), proibiu o uso dessas armas. Só que parece que os espanhóis esqueceram disso e jogaram gás mostarda em cima dos marroquinos durante uma revolta (o Marrocos era sua colônia). Os japoneses usaram armas químicas durante a invasão da Manchúria em 1931, sendo uma das piores guerras travadas até hoje. Cinco anos depois, a Itália teve a santa ideia de jogar gás de mostarda Etiópia, o que matou gente, animais e ainda por cima contaminou rios (mas que ideia idiota hein? Mamma mia!).
Neste mesmo ano, a IG Farben mais uma vez criou algo diabólico sob o comando de Gerhard Schrader. Este químico, que deveria estar criando inseticidas, acabou sintetizando o "tabun", um gás neurotóxico (age sobre os nervos) tão motherfucker fudidamente forte que nem pra ser inseticida servia porque matava os insetos, animais, humanos e até um ou outro demônio desavisado que estivesse rondando o local. É até hoje a pior arma química já inventada. Dois anos mais tarde, Schrader criou o sarin e em 1944 o soman (8x mais letal que o sarin), mais 2 neurotóxicos diabólicos. Mas afinal, o que esses neurotóxicos faziam? Eles simplesmente inibem uma certa enzima que é responsável pelo movimento muscular, ou seja, sem essa enzima os músculos se contraem descontroladamente até estrangular os pulmões e o coração. Para se ter ideia, a coisa é tão perigosa que apenas o contato com a pele ou inalação podem matar. É basicamente o mesmo efeito dos inseticidas nos insetos (uma morte horrível, eu sei, mas as baratas são mais horríveis ainda!).
A boa notícia é que esses gases não foram usados nos campos de batalha, a ruim é que uma evolução deles chamada zyklon-B foi o responsável pelas mortes dos judeus em câmaras de gás. Agora a péssima notícia é que os aliados e soviéticos meteram a mão nos estoques da IG Farben no final da guerra e sabem as fórmulas desses gases até hoje. A empresa química ICI da Inglaterra criou a família V em meados dos anos 50. Os gases VE e VX conseguem ser mais tóxicos do que os gases dos alemães.
Poster da IG Farben |
Provavelmente o pior uso de todos (e mais famoso também) foi na guerra do Vietnã. Além do napalm que é capaz de transformar qualquer coisa em um inferno de chamas, o gás lacrimogêneo também foi utilizado contra os soldados vietnamitas (ele irrita os olhos, irrita a pele, causa cegueira temporária e causa a hipertrofia das glândulas salivares) e o pior de todos: o agente laranja. Esse danado inicialmente foi criado pelos americanos para destruir ervas daninhas, mas foi usado para destruir plantações e florestas onde os vietcongues se escondiam.
A icônica foto das crianças vietnamitas que corriam para longe do napalm. |
Tropas aliadas, proteção redobrada
Para
lidar com algo tão cruel e fatal, os soldados eram protegidos com
máscaras de gás e roupas emborrachadas muito desconfortáveis que podiam
provocar a desidratação do próprio usuário se ele a vestisse por mais de
10 horas. Os ingleses levavam papéis que mudavam de cor na presença de
certos gases e isso os ajudou a correr para as colinas
escapulir dali o quanto antes. Se fosse atacado por algum gás
neurotóxico, o soldado injetava em si imediatamente atropina (um
antídoto). O problema é que se ele se enganasse, a atropina o faria
sentir os mesmos sintomas que o gás, o que não era nada legal.
O laboratório do mal
O exército imperial japonês
mantinha um laboratório para experimentar suas novas armas químicas e biológicas em
ninguém mais, ninguém menos do que prisioneiros de guerra durante a
Segunda Guerra Mundial. Era a unidade 731, ultrassecreta e uma das
piores invenções que a humanidade poderia ter ideia de criar.
A indústria da morte
Que o nazismo foi de longe a pior era da história ninguém duvida, mas as atrocidades feitas durante aquela época não devem ser esquecidas por um único motivo: jamais repeti-las. Já falamos aqui de Auschwitz (link), mas hoje vamos entrar em detalhes numa invenção cruel daquele lugar: as câmaras de gás.
Depois do cruel método de trancar prisioneiros judeus nas caçambas de
caminhões e direcionar o conteúdo dos escapamentos para dentro delas, os
alemães criaram algo mais eficaz, mais barato e ainda mais cruel para o
extermínio dos judeus, prisioneiros de guerra e qualquer infeliz que
fosse contra o regime nazista. Com o pretexto de que tomariam um banho
logo na chegada aos campos de extermínio, os prisioneiros (em sua
maioria crianças, idosos e doentes) eram encaminhados para uma sala onde
eram obrigados a se despir e depois levados a uma câmara. Tudo isto, é
claro, evitava ao máximo qualquer tipo de histeria coletiva. Cerca de
800 pessoas cabiam nessas câmaras e se alguém ficasse de fora por causa
de superlotação, era fuzilada.
O zyklon era um pesticida usado para
tirar piolhos das pessoas, mas os alemães colocavam as pedrinhas desse
material em compartimentos de metal que eram aquecidos e então o zyklon
formava um vapor letal. Para ninguém desconfiar, era misturado a outros
químicos afim de tentar inibir o cheiro. Fechadas as portas da câmara, o
vapor começava a fluir pelos encanamentos e por fim era liberado por
várias saídas ao longo da sala. O sufocamento era quase que imediato e
provocava pânico, fazendo as pessoas se amontoarem nas portas e pisotearem umas as outras. O gás também fazia as vítimas convulsionarem várias vezes, sangrarem bastante e perderem o controle das funções fisiológicas. O processo todo durava pelo menos uns 20min, ou seja, era uma morte dolorosa e lenta. Terminado o martírio, exaustores sugavam o vapor para fora das câmaras e então podiam finalmente serem abertas. Entravam em ação os
sonderkommando que eram grupos de prisioneiros designados para retirar
os corpos. Ficavam alojados nos subsolos, onde as tais câmaras ficavam, e
eram isolados dos outros prisioneiros. Eles procuravam por dentes de
ouro, joias escondidas e outros objetos de valor e então transportavam os corpos pelos corredores até os crematórios.
O gás foi o começo do holocausto?
Durante um dos combates da Primeira Guerra Mundial um mensageiro de guerra corria pelo campo de batalha em Ypres. De repente ele viu uma cortina de fumaça surgir bem diante dos seus olhos. Desesperado tentou correr o mais rápido que pode, mas já tinha inalado gás demais. Sufocava e agonizava, estirado no chão. Soldados vizinhos o avistaram e o arrastaram para longe. Ele recebeu os primeiros socorros, mas ferido e cego temporariamente, foi enviado a um hospital onde ficou por meses até se recuperar. Ainda internado, recebeu a notícia de que os esforços de toda a nação alemã e austríaca tinham sido em vão: a guerra havia terminado e a Alemanha tinha perdido. Extremamente puto com isso, começou uma busca incansável pela justiça, se filiou ao partido nazista tempos depois e se tornou o ditador mais famoso do mundo. Adolf Hitler, sim, o tio Adolfinho mudou pra valer depois de sofrer o ataque de gás que por muito pouco não lhe tirou a vida. Há quem diga que foi por causa do trauma do gás que tudo começou.
Combate
Apesar de inúmeros acordos e leis, o combate ainda é complicado. Os cientistas que desenvolvem essas armas são bem difíceis de serem encontrados ou identificados. A maioria é acadêmico, ou seja, dá aula em universidade (sabe aquele seu professor de química que era meio maluco na faculdade? Pois é, suspeite até da sombra dele!). Além do mais, a produção desse tipo de arma não requer nenhuma super instalação e qualquer indústria química tem capacidade suficiente para construir uma arma química.
Aquele protocolo de 1925 que proibia o uso das armas químicas e que fora inicialmente elaborado pela União das Nações só foi concluído em 1993. É chamado de Convenção de Armas Químicas (CWC). Em 1997 foi finalmente adotada e neste mesmo ano foi criada a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Organization for the Prohibition of Chemical Weapons - OPCW) que é a responsável por detectar e supervisionar as indústrias químicas afim de não deixá-las produzir armas. Infelizmente alguns países ainda não aceitaram a CWC e, portanto, são uma bomba relógio que pode estourar a qualquer minuto. O perigo é real e fatal. Alguns itens ficaram de fora da lista da CWC como os desfolhantes (destroem a vegetação, mas não causam intoxicação
imediata ao ser humano, porém o uso prolongado pode causar câncer e
problemas genéticos nas gerações futuras como deformidades fetais - o
agente laranja era um desfolhante), os incendiários/explosivos (napalm,
por exemplo) e armas biológicas (algumas toxinas produzidas por organismos vivos podem ser consideradas armas químicas, porém isso já pertence à alçada da Convenção de armas biológicas).
Os gases do bem
Apesar de toda a polêmica, o gás lacrimogêneo é considerado uma arma pacificadora. Amplamente utilizado pelas polícias de todo o mundo para conter revoltas, rebeliões e protestos, é um dos poucos gases autorizados a ser fabricado. Outros gases autorizados e considerados "do bem" são os inseticidas, agrotóxicos e pesticidas.
Saiba mais:
Esse post foi sugestão da Neverland.
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